quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Relacionamentos Disfuncionais

Diversas pessoas idealizam um relacionamento antes mesmo de encontrar um par, colocam bastante carga emocional neste desejo e tendem a buscar pessoas que consideram perfeitas para se relacionar. O que muitos não sabem é que relação perfeita está em falta por diversos fatores. Muitos casais que vemos e conhecemos julgam sua relação como ‘tóxica ‘ ou até mesmo como ‘abusiva’. Há diferenças entre estes dois tipos de relacionamentos disfuncionais, que, a princípio, é a nomenclatura correta, e cada um de nós precisa entender o seu lugar na relação.

Para maior clareza de entendimento entre os dois termos, basta-nos ter em mente a direção do abuso no relacionamento. Quando há um abusador e uma vítima, o relacionamento é considerado abusivo. O outro cenário é quando os dois são abusadores e vítimas porque eles precisam de poder, que oscila entre um e outro. Este último configura um relacionamento tóxico. Nós jamais quereríamos assumir um relacionamento disfuncional, seja ele tóxico ou abusivo. Somente com terapia é que o véu cai dos olhos e nós poderemos nos entender e nos mudar para mudar ou sair da relação. 

Eu gosto de sempre deixar claro aos meus pacientes a simples equação 2=1+1, o que mostra a relação (2) sendo divisível, cada um precisa se doar para contribuir a fim de que a relação comece a funcionar. E este é um processo diário, não é somente no início.

Entenda a palavra relação como sendo todas as interações verbais e não verbais que temos ao longo da vida ou até mesmo diariamente. No que tange ao relacionamento amoroso, alguns sinais e padrões de relacionamentos tóxicos se mostram quando o casal não tem interesse em sair juntos, se isolam um do outro. Quando moram juntos, podem não manter contato físico até mesmo dentro de casa, pois a indiferença e a desvalorização é mútua. Os dois brigam constantemente, até mesmo por pequenos motivos. Como o desinteresse é grande, cada um encontra refúgio em algum outro lugar, o que, na psicanálise, é o que chamamos de deslocamento da libido. Quando nós vivemos com uma outra pessoa, passamos a conhecer essa pessoa. E é através do diálogo que nós vamos saber o que irrita essa pessoa e quais são as fragilidades dela. 

Outra faceta bem delicada onde encontramos relacionamentos disfuncionais é dentro da nossa própria família, seja conosco ou com parentes. Espero que já esteja claro para você, leitor, que em todo relacionamento disfuncional há um poder, tomado ou outorgado, por alguém. O relacionamento tóxico familiar é quando um membro não dá apoio, apenas critica, julga e compara um familiar com outro familiar. Há ciúmes e controle em excesso. Sim, ciúme acontece dentro da família (disfuncional). Sabe-se quando o relacionamento é disfuncional quando a mãe ou o pai é narcisista. Neste caso, eles usam da autoridade de pais para dominar os filhos, para se mostrarem que são superiores. Desta forma os filhos se sentem desvalorizados e até mesmo confusos por serem ameaçados por alguém que eles amam. 

Para a psicanálise, se uma psique sozinha já se enlouquece com as brigas entre o id e o ego, imagine quando duas pessoas com psiques diferentes se juntam para se relacionar! Sendo assim, o lugar onde nosso inconsciente nos coloca é no mesmo lugar onde fomos colocados, ou onde nos colocamos, dentro da relação pai-e-mãe que tivemos na infância. Tendo dito isso, inconscientemente o abusador precisa de uma pessoa para manipular, da mesma forma que a vítima precisa de alguém que a coloque nesta posição. Algumas possíveis causas de alguém ser vítima de um relacionamento tóxico ou abusivo é que a pessoa já tem dificuldades em autoconfiança, preza demasiadamente por agradar o outro, ou até mesmo ignora os sentimentos dos outros. A saúde mental e emocional já estão tão precárias que a vítima projeta suas expectativas no outro e, em quase todas as vezes, se frustra porque dependem desse outro para se sentirem felizes. Este excesso de medo leva a submissão. 

Dentro do ambiente de trabalho, pasmem, há grandes chances de haver relacionamentos tóxico ou abusivos. Em consultórios e nas redes sociais, há pacientes que relatam que o empregador não os valoriza, que os humilha e que criam discórdias entre os empregados. Estas situações se desdobram a ponto de fazer o empregado se isolar, já que é só ele chegar e todos param de falar. Há, ainda, líderes e empregadores que ofendem em forma de elogio, pois sabem que o empregado precisa de emprego e não irá devolver com palavras e não tem com quem reclamar deste comportamento laboral. Em relacionamentos de trabalho tóxicos e abusivos, o rendimento do empregado despenca devido aos abusos. Encontramos aqui a famosa Síndrome de Burnout, onde o empregado adoece, mental e emocionalmente, devido às condições de humilhação dentro do trabalho. 

Algumas situações onde podemos encontrar relacionamentos disfuncionais já foram expostas: conjugal, familiar e laboral. Porém, se faz necessário que entendamos o ciclo do abuso, que explica como as vítimas ficam presas em relacionamentos abusivos. Uma excelente linha do ciclo de abuso é composta por quatro fases: idealização, isolamento, depreciação e descarte. Vamos passear por estas fases a partir de agora.


1. Idealização é, como o nome diz, quando um idealiza como será o relacionamento, seja de qualquer um dos tipos mencionados aqui acima. Porém, é nesta fase que o abusador se interessa na história de vida da vítima, analisando os gestos, as fraquezas, os sonhos, e mais. O abusador demonstra ciúmes e controle, mas justifica dizendo que é para que o relacionamento seja saudável e sincero. 

2. Isolamento é o estágio em que o abusador tenta afastar a vítima de todos que a cercam, diminuindo sua rede de apoio. Com os abusos e depreciações, a vítima acaba não contando para ninguém o que ocorre, pois está na fase de demência temporária, também conhecida como paixão. 

3. Depreciação se dá com críticas, ameaças e promessas falsas, e o abusador culpa a vítima por suas ações e não permite que ela tenha opiniões. 

4. Descarte é a fase de total alienação da vítima, já que ela não é mais objeto de desejo do abusador. 


A única forma de sair de um relacionamento disfuncional (tóxico ou abusivo) é com a equação: acompanhamento terapêutico + rede de apoio. Em sessões de psicoterapia, a vítima será acolhida e preparada para o que possa acontecer. A vítima, que agora é paciente, precisa esvaziar-se dos sentimentos que tem, ponderar o que fazer com seus pertences que ainda lhe restam, com a casa, com os filhos, com as dores emocionais e financeiras. Tendo um psicanalista para ajudar, tornar-se-á menos trabalhoso para buscar uma rede de apoio e um lugar onde possa ficar até que se resolvam as demandas mais urgentes. Faz-se importante salientar que a vítima jamais deverá tentar mudar o abusador no intuito de que ele se torne uma pessoa melhor e cesse os atos verbais e físicos, pois não é culpa da vítima que o abusador seja desta forma. 

Ressalto, também, dois pontos cruciais para o entendimento deste artigo. O primeiro é que, em psicanálise, não existe a palavra ‘vítima’, pois nós estamos em um relacionamento abusivo porque nos colocamos nele inconscientemente. O segundo ponto é que aqui foram usados dois substantivos que podem ser de dois gêneros: ‘vítima’ é um substantivo sobrecomum, que apresenta somente um termo para masculino e feminino; e ‘abusador’ pode ser flexionado de acordo com o gênero

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